Por Thomas Ribeiro Bergman*
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, deu provimento a recurso e declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei 8.212/1991 (artigo 22, inciso IV) que prevê contribuição previdenciária, a cargo da empresa, de 15% incidente sobre o valor de serviços prestados por meio de cooperativas de trabalho.
A decisão foi tomada na sessão desta quarta-feira (23/04) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 595838, com repercussão geral reconhecida, no qual uma empresa de consultoria questiona a tributação.
A Lei 9.876/1999, que inseriu a cobrança na Lei 8.212/1991, revogou a Lei Complementar 84/1996, na qual se previa a contribuição de 15% sobre os valores distribuídos pelas cooperativas aos seus cooperados. No entendimento do Tribunal, ao transferir o recolhimento da cooperativa para o tomador de serviço, a União extrapolou as regras constitucionais referentes ao financiamento da seguridade social.
De fato, ao impor tributação sobre rendimentos pagos a pessoa jurídica (natureza jurídica indiscutível das cooperativas), o legislador extrapolou a norma do art. 195, I, da Constituição, que permite somente a tributação com base em rendimentos pagos a pessoas físicas prestadoras de serviço. Nas palavras do relator “A relação não é de mera intermediária, a cooperativa existe para superar a relação isolada entre prestador de serviço e empresa. Trata-se de um agrupamento em regime de solidariedade”
Além do mais, o relator do acórdão, o Ministro Dias Toffoli, reputou como violadora do mesmo preceito constitucional referido anteriormente a incidência sobre o valor bruto da nota fiscal de prestação de serviço. Tal fato faz com que a contribuição incida sobre o faturamento, não só extrapolando a base de cálculo possível da exação, na medida em que não mensura a prestação de serviço somente, tributando outras parcelas também inclusas no valor bruto da nota, como, por exemplo, a taxa de administração, valores utilizados pelas cooperativas para prestar assistência das mais variadas formas aos seus cooperados etc.; mas também causando dupla incidência sobre a mesma base econômica (o faturamento), algo também peremptoriamente vedado pela Lei Maior.
Malgrado a decisão do Supremo Tribunal Federal, como foi exarada em sede de Recurso Extraordinário, tenha efeitos, em um primeiro momento, somente entre as partes litigantes na demanda em que o recurso foi provido, não só há a possibilidade de suspensão da execução da norma declarada inconstitucional pelo Supremo, por parte do Senado Federal, mediante resolução, forte no art. 52, X, da Constituição (o que dispensaria uma discussão judicial acerca da matéria quando da repetição dos valores pagos indevidamente pelas empresas tomadoras de serviços prestados por cooperativas); como também se deve levar em conta a posição de Corte Constitucional ocupada pelo STF, o que traz consigo a função de uniformizadora da interpretação da Lei Maior.
Esta última questão faz com que a discussão judicial em sede de ação de repetição de indébito, nada obstante necessária, seja largamente abreviada, facilitando a obtenção da restituição das quantias pagas indevidamente a título de contribuição previdenciária.
Ademais, ao entender que o valor bruto da nota fiscal de prestação de serviço extrapola a norma constitucional de competência, por incluir valores que não mensuram corretamente a prestação do serviço propriamente dita, o Supremo abre caminho para o entendimento de que são indevidos valores eventualmente pagos a título de ISS ou ICMS, que, malgrado componham a base de cálculo daquelas exações, não medem a prestação de serviço, ou a circulação da mercadoria, mas se tratam de valores outros embutidos na operação.
O raciocínio subjacente é o de que a base de caçulo deve guardar correlação lógica com o fato pressuposto da tributação, sob pena de desvirtuá-lo, como seria o caso, por exemplo, de a título de IPTU (imposto sobre a propriedade) cobrar-se um valor sobre os aluguéis percebidos pelo proprietário. Nesta situação hipotética, o imposto sobre a propriedade tornar-se-ia uma exação sobre rendimentos de locação, desvirtuando a norma constitucional que permite que os Municípios cobrem aquele imposto, ou seja, extravasando os limites constitucionais postos à tributação pelas municipalidades.
As empresas que tomaram serviços de cooperativas nos últimos 5 (cinco) anos possuem o direito constitucional de requerer a restituição do montante pago a título de contribuição previdenciária incidente sobre os serviços prestados por cooperativas.
Resta saber como se dará o financiamento da seguridade social após o desfalque causado naquele pela má gestão jurídica do mesmo. Isto porquanto ao mesmo ensejo em que instituiu a inconstitucional nova exação, a Lei 9.876/1999 revogou expressamente a Lei Complementar 84/96 que previa a tributação sobre os valores distribuídos aos cooperados pela cooperativa, com o intuito de somente realocar a sujeição passiva da relação tributária. A revogação expressa faz com que a declaração de inconstitucionalidade da nova exação, mesmo quando esta tomar eficácia para todos (erga omnes), não reviva a antiga contribuição, o que causa desfalque no orçamento da seguridade.
A matéria está sob discussão também na ADIn 2.594, que se julgada procedente (tudo indica que o será), espraiará seus efeitos para toda ordem jurídica, com eficácia para todos.
*Thomas Bergman é advogado da divisão de direito tributário da Bastos Lund.